sexta-feira, 29 de outubro de 2010

BILHETE DE EVANGELHO - 31º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Ele veio “procurar e salvar o que estava perdido”

31 de Outubro de 2010


É verdade que Zaqueu tinha subido a um sicômoro, mas é Jesus que ergue os olhos e interpela o publicano de Jericó: “Zaqueu, desce depressa, que Eu hoje devo ficar em tua casa”. A iniciativa de Jesus provoca em Zaqueu toda uma mudança, pois ele nunca teria ousado convidar Jesus de quem ouvira falar. Sente-se reconhecido não como “cobrador de impostos” e ladrão, mas como alguém que pode manifestar o homem que é verdadeiramente capaz de ser: generoso para com os pobres, reparador das faltas que tenha podido ocasionar. Na casa de Zaqueu, Jesus faz-nos ver o que veio fazer ao vir ao encontro da humanidade: ajuda-o a encontrar o seu próprio rosto… Sim, Ele veio “procurar e salvar o que estava perdido”, para restabelecer a imagem de Deus no rosto do homem que o pecado tinha afundado.

À ESCUTA DA PALAVRA.

A história de Zaqueu é uma história de olhares… Há o olhar de Zaqueu, que procurava ver quem era Jesus; correu e subiu a um sicômoro para ver Jesus que devia passar por aí. Há o olhar de Jesus que, ao chegar a esse lugar, ergueu os olhos… Há, enfim, o olhar da multidão, que, ao ver tudo isso, recriminava Jesus por ir a casa de um pecador.

Três olhares, tão diferentes uns dos outros! Bem o sabemos: o olhar é uma linguagem para lá das palavras. Os nossos olhares falam muito mais do que tantos discursos. As nossas palavras podem mentir, os nossos olhares não.

EM primeiro lugar, reparemos no olhar da multidão. Jesus tinha curado um mendigo cego; ao ver isso, a multidão celebrou os louvores de Deus. Ao ver o maravilhoso, a multidão maravilhou-se. E depois, tudo muda de repente. Após a atitude de Jesus para com Zaqueu, a multidão olha Jesus com hostilidade. Versatilidade das multidões, sem dúvida. Mas também versatilidade dos nossos próprios olhares. Basta uma coisita de nada para que o meu olhar sobre aquele que estimava mude, quando percebo que ele não era “bem” aquilo que eu pensava!

Em segundo lugar, reparemos no olhar de Zaqueu. Mais do que um olhar de simples curiosidade, é um olhar de desejo. Ele tinha ouvido dizer que este Jesus não falava como os escribas e os fariseus. Além disso, Ele fazia milagres. Não viria Ele da parte de Deus? Então, ele quer ver este rabino que não é como os outros. Mas a sua procura continua tímida. Não ousa avançar demasiado. E eu? Qual é o meu desejo de ver Jesus, de O conhecer? Não sou demasiado tímido quando se trata da minha ligação com Jesus e da minha fé? Finalmente, o olhar de Jesus, que ergueu os olhos para Zaqueu. Que viu Ele? Um pecador à margem da Lei, banido por todos? Não, Jesus viu um homem rejeitado por todos, um homem habitado por um desejo, talvez não muito explícito, de ser acolhido por Ele próprio. Viu um homem que não tinha ainda compreendido que Deus o amava, apesar dos seus pecados, que Deus o olhava unicamente à luz do seu amor primeiro e gratuito. Então, Jesus colocou no seu olhar sobre Zaqueu todo este amor que transformou o publicano.
E que o salvou!

PALAVRA PARA O CAMINHO DA VIDA…

Levar a Palavra de Deus como luz para mais uma semana de trabalho, de estudo… Ao longo dos dias da semana que se segue, procurar rezar e meditar algumas frases da Palavra de Deus: “Cantai ao Senhor um cântico novo”…; “A Palavra de Deus não está encadeada”…; “Se morremos com Cristo, também com Ele viveremos”…; “Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou”… Procurar transformá-las em atitudes e em gestos de verdadeiro encontro com Deus e com os próximos que formos encontrando nos caminhos percorridos da vida…


Padre Emílio Carlos+

A Conversão de Zaqueu

DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO C)

A Conversão de Zaqueu

O Evangelho (Lc. 19, 1-10) fala-nos do encontro misericordioso de Jesus com Zaqueu. O Senhor passa por Jericó, a caminho de Jerusalém! Uma multidão apinhava-se nas ruas por onde o Mestre passava e lá no meio da multidão encontrava-se um homem chefe dos publicanos e rico, bem conhecido em Jericó pelo seu cargo.
Os publicanos eram cobradores de impostos. O imposto era fixado pela autoridade romana e os publicanos cobravam uma sobretaxa, da qual viviam. Isto prestava-se a arbitrariedades, razão pela qual eram facilmente hostilizados pela população.
São Lucas diz que Zaqueu procurava ver Jesus para conhecê-Lo, mas não podia por causa da multidão, pois era muito baixo. Mas o seu desejo é eficaz! Para conseguir realizar o seu propósito, começa por misturar-se com a multidão e depois, sem pensar no ridículo da sua atitude, correndo adiante subiu a um sicômaro para ver Jesus, que devia passar por ali. Não se importa com o que as pessoas possam pensar ao verem um homem da sua posição começar a correr e depois subir numa árvore. É uma formidável lição para nós que, acima de tudo, queremos ver Jesus e permanecer com Ele.
Que o Senhor aumente em nós o desejo sincero de vê-Lo! Eu quero realmente ver Jesus? – perguntava o Papa João Paulo II ao comentar esta mensagem do Evangelho –, faço tudo o que posso para poder vê-Lo? Este problema, depois de dois mil anos, é tão atual como naquela altura, quando Jesus atravessava as cidades e povoados da sua terra. E é atual para cada um de nós pessoalmente: quero verdadeiramente contemplá-Lo, ou não será que venho evitando encontrar-me com Ele? Prefiro não vê-Lo ou que Ele não me veja? E se já o vislumbro de algum modo, não será que prefiro vê-Lo de longe, sem me aproximar muito, sem me situar claramente diante dos seus olhos…, para não ter que aceitar toda a verdade que há nEle, que provém dEle?
Qualquer esforço que façamos por aproximar-nos de Cristo é amplamente recompensado. Disse Jesus: “Zaqueu desce depressa! Hoje Eu devo ficar na tua casa” (Lc 19, 5). Que alegria imensa! Zaqueu, que já se dava por satisfeito de vê-Lo do alto de uma árvore, ouve Jesus chamá-lo pelo nome, como a um velho amigo, e, e com a mesma confiança, fazer-se convidar para sua casa. Comenta Santo Agostinho: “Aquele que tinha por coisa grande e inefável vê-Lo passar, mereceu imediatamente tê-Lo em casa.” O Mestre, que tinha lido no coração do publicano a sinceridade dos seus desejos, não quis deixar passar a ocasião. Zaqueu descobre que é amado pessoalmente por Aquele que se apresenta como o Messias esperado, sente-se tocado no íntimo do seu espírito e abre o seu coração.
Zaqueu está agora com o Mestre, e com Ele tem tudo. Mostra com atos a sinceridade da sua nova vida; converte-se em mais um discípulo do Mestre.
O encontro com Cristo leva-nos a ser generosos com os outros, a compartilhar imediatamente com quem está mais necessitado o muito ou o pouco que temos.
“Hoje entrou a salvação nesta casa” (Lc 19, 9). É um convite à esperança: se alguma vez o Senhor permite que passemos por dificuldades, se nos sentimos às escuras e perdidos, temos de saber que Jesus, o Bom Pastor, sairá imediatamente em nossa busca. Diz Santo Ambrósio: “O Senhor escolhe um chefe de publicanos: quem poderá desesperar se ele alcançou a graça?” O Senhor nunca se esquece dos seus.
A figura de Zaqueu deve ajudar-nos a nunca dar ninguém por perdido ou irrecuperável.
Não duvidemos nunca do Senhor, da sua bondade e do seu amor pelos homens, por muito extremas ou difíceis que sejam as situações em que nos encontremos ou em que se encontrem as pessoas que queremos levar até Jesus. A sua misericórdia é sempre maior do que os nossos pobres raciocínios.

Mons. José Maria Pereira

terça-feira, 26 de outubro de 2010

“meu Deus, tende compaixão de mim que sou pecador”.

30º DOMINGO DO TEMPO COMUM-ANO C

“meu Deus, tende compaixão de mim que sou pecador”.

24 de Outubro de 2010

A liturgia deste domingo ensina-nos que Deus tem um “fraco” pelos humildes e pelos pobres,
pelos marginalizados; e que são estes, no seu despojamento, na sua humildade, na sua finitude (e até no seu pecado), que estão mais perto da salvação, pois são os mais disponíveis para acolher o dom de Deus.
A primeira leitura define Deus como um “juiz justo”, que não se deixa subornar pelas ofertas desses poderosos que praticam injustiças na comunidade; em contrapartida, esse Deus justo ama os humildes e escuta as suas súplicas.
O Evangelho define a atitude correta que o crente deve assumir diante de Deus. Recusa a atitude dos orgulhosos e auto-suficientes, convencidos de que a salvação é o resultado natural dos seus méritos; e propõe a atitude humilde de um pecador, que se apresenta diante de Deus de mãos vazias, mas disposto a acolher o dom de Deus.
É essa atitude de “pobre” que Lucas propõe aos crentes do seu tempo e de todos os tempos.
Na segunda leitura, temos um convite a viver o caminho cristão com entusiasmo, com entrega, com ânimo – a exemplo de Paulo. A leitura foge, um pouco, ao tema geral deste domingo; contudo, podemos dizer que Paulo foi um bom exemplo dessa atitude que o Evangelho propõe: ele confiou, não nos seus méritos, mas na misericórdia de Deus, que justifica e salva todos os homens que a acolhem.

LEITURA I – Sir 35,15b-17.20-22a

O livro de Ben Sira foi escrito nos inícios do séc. II a.C. (entre 195 e 171 a.C.), numa altura em que os selêucidas dominavam a Palestina e a cultura helênica – cada vez mais onipresente – colocava em risco a cultura, a fé e os valores judaicos. O autor do livro (Jesus Ben Sira), preocupado porque muitos dos seus concidadãos se deixavam seduzir pelos valores estrangeiros e negavam as raízes do seu Povo, escreve para defender o patrimônio cultural e religioso do judaísmo, a sua concepção de Deus, do mundo, da eleição e da aliança. Procura convencer os seus compatriotas de que Israel possui na sua “Torah”, revelada por Deus, a verdadeira “sabedoria” – uma “sabedoria” muito superior à “sabedoria” grega.
O texto que nos é proposto insere-se num pacote de sentenças em que Jesus Ben Sira procura apontar aos seus concidadãos o caminho da verdadeira “sabedoria” (cf. Ben Sira 34,21-35,26).
Esse “caminho” passa pela prática de uma “religião verdadeira”, isto é, pelo cumprimento rigoroso dos mandamentos da “Torah”, nomeadamente no que diz respeito à vivência da justiça comunitária e ao respeito pelos direitos dos mais pobres… Nestas sentenças, Jesus Ben Sira avisa que Deus não pode ser comprado com atos de culto, por parte daqueles que praticam a injustiça e que escravizam os irmãos. O apelo do autor vai, portanto, no sentido de que sejam cumpridos os mandamentos da Lei e sejam respeitados os direitos dos pobres e dos débeis. É essa a verdadeira religião que Deus exige do homem. Aqueles que pretendem ser sábios não podem cometer injustiças de manhã e à tarde aparecer no Templo a afirmar a sua fé e a sua comunhão com Deus, através da oferta de vultuosos sacrifícios de animais.
Isso seria, praticamente, comprar Deus e fazer dele cúmplice da injustiça… E Deus não aceita esse esquema.

Deus é, então, um juiz justo (é daqui que parte o nosso texto), que não faz acepção de pessoas, que não aceita ser cúmplice dos opressores, que não Se deixa subornar pelos presentes dos ricos e não desiste de fazer justiça aos pobres (são explicitamente nomeados os órfãos e as viúvas – as duas figuras paradigmáticas dos desprotegidos, que só tinham Deus para os defender da prepotência dos grandes).
Por outro lado, Jesus Ben Sira insiste em que Deus escuta sempre as preces dos débeis e que está atento aos gritos de revolta daqueles que são vítimas da injustiça. Assim, os humildes que sofrem a opressão e a prepotência dos poderosos são convidados a apresentar a Deus as suas queixas, até que Ele restabeleça o direito e a justiça.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes sugestões:

• Este texto põe, antes de mais, o problema do que é fundamental na experiência religiosa… Sugere que a “verdadeira religião” não passa pelos ritos, mas por uma vida verdadeiramente comprometida com os mandamentos, nomeadamente com o mandamento do amor aos irmãos… Não é verdadeira a religião daqueles que pagam as festas da paróquia, mas não pagam justamente aos seus operários; não é verdadeira a religião daqueles que ao domingo depositam na bandeja do peditório algumas notas gordas, mas não respeitam a dignidade e a liberdade dos outros; não é verdadeira a religião daqueles que fazem “promessas”, para que Deus os ajude a concluir com êxito um negócio duvidoso em que alguém vai sair prejudicado… Uma religião desligada da vida é uma religião falsa, incoerente, hipócrita, com a qual Deus não quer ter nada a ver…

• O texto revela também, uma vez mais, que o nosso Deus tem um fraco pelos pobres, pelos débeis, pelos oprimidos, por aqueles que o mundo considera “vencidos” e sem peso. Atenção: Deus ama-os e não deixa passar em claro qualquer injustiça cometida contra eles ou qualquer comportamento que viole a sua dignidade. E os crentes, “filhos de Deus”, são convidados a atuar com a mesma lógica de Deus… Sou, como Deus, sensível ao apelo dos pobres, vítimas da injustiça, da segregação, da exclusão?
Luto, com coerência, contra tudo o que gera morte, infelicidade, exploração, injustiça, miséria?
Aqueles que não encontram lugar na mesa dos privilegiados deste mundo encontram, através de mim, o rosto misericordioso e bondoso do Deus que os ama?


• A oração do pobre e do desvalido chega sempre aos ouvidos de Deus… Deus não vira, nunca, as costas a quem chama por Ele e vê n’Ele a esperança e a salvação.
Isto é algo que eu devo ter sempre presente, nomeadamente nos momentos mais dramáticos da minha existência, quando tudo cai à minha volta. A Palavra de Deus que hoje nos é oferecida garante-nos: Deus escuta a oração do pobre (e, no contexto bíblico, dizer que “escuta” significa dizer que Ele se prepara para intervir e para trazer àquele que sofre a libertação e a vida).

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)

Refrão 1: O pobre clamou e o Senhor ouviu a sua voz.
Refrão 2: O Senhor ouviu o clamor do pobre.
A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.
A face do Senhor volta-se contra os que fazem o mal,
para apagar da terra a sua memória.
Os justos clamaram e o Senhor os ouviu,
livrou-os de todas as angústias.
O Senhor está perto dos que têm o coração atribulado
e salva os de ânimo abatido.
O Senhor defende a vida dos seus servos,
não serão castigados os que n’Ele confiam.

LEITURA II – 2 Tim 4,6-8.16-18

Mais uma vez a liturgia traz-nos um texto da Segunda Carta a Timóteo. Embora atribuída a Paulo, trata-se (como, aliás, já vimos nos domingos anteriores) de uma carta escrita por um autor desconhecido, em finais do séc. I ou princípios do séc. II. Para os crentes da segunda geração cristã, é uma época de perseguições, de divisões, de heresias e, portanto, de confusão e de desânimo. Nesse contexto, um cristão anônimo, usando o nome de Paulo, escreveu a pedir aos seus irmãos na fé que se mantivessem fiéis à missão que Deus lhes confiou. O seu objetivo era revitalizar a fé e o entusiasmo dos crentes.

O autor da carta apresenta-se na pele de Paulo, prisioneiro em Roma; e nessa pele, faz um balanço final da sua vida e da sua entrega ao serviço do Evangelho.
A vida de Paulo foi, desde o seu encontro com Cristo ressuscitado na estrada de Damasco, uma resposta generosa ao chamamento e um compromisso total com o Evangelho. Por Cristo e pelo Evangelho, Paulo lutou, sofreu, gastou e desgastou a sua vida, num dom total, para que a salvação de Deus chegasse a todos os povos da terra. No final, ele sente-se como um atleta que lutou até ao fim para vencer e está satisfeito com a sua prestação. Resta-lhe receber essa coroa de glória, reservada aos atletas vencedores (e que Paulo sabe não estar reservada apenas a ele, mas também a todos aqueles que lutam com o mesmo denodo e o mesmo entusiasmo pela causa do “Reino”).
Para definir a sua vida como dom total a Deus e aos irmãos, Paulo utiliza aqui uma imagem bem sugestiva: a imagem da vítima imolada em sacrifício. Paulo fez da sua vida um dom total, ao serviço do Evangelho; a sua entrega foi um sacrifício cultual a Deus. Agora, para que o sacrifício seja total, só resta coroar a sua entrega com o dom do seu sangue… A referência à oferta “em libação” faz referência aos sacrifícios em que se vertia o vinho sobre o altar, imediatamente antes de ser imolada a vítima sacrificial.
Há duas maneiras de dar a vida por Cristo: uma é gastá-la dia a dia na tarefa de levar a libertação que Cristo veio propor a todos os povos da terra; outra é derramar, de uma vez, o sangue por causa da fé e do testemunho de Cristo… Paulo conheceu as duas modalidades; imitar Paulo é um desafio que o autor da Carta a Timóteo faz aos discípulos do seu tempo e de todos os tempos.
Na segunda parte do nosso texto (vers. 16-18), o autor desta carta põe na boca de Paulo o lamento desiludido de um homem cansado que, apesar de ter oferecido a sua vida como dom aos irmãos se sente, no final, votado ao abandono e à solidão… Mas, apesar de tudo, Paulo tem consciência de que Deus esteve a seu lado ao longo da sua caminhada, lhe deu a força de enfrentar as dificuldades, o livrou de todo o mal e lhe dará, no final da caminhada, a vida definitiva. Daí o louvor com que Paulo termina: “glória a Ele pelos séculos sem fim. Amém”. É esta a atitude que o autor da carta pede aos seus irmãos: apesar do desânimo, do sofrimento, da tribulação, descubram a presença de Deus, confiem na sua força, mantenham-se fiéis ao Evangelho: assim recebereis, sem dúvida, a salvação definitiva que Deus reserva a quem combateu o bom combate da fé.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes linhas:
• Paulo foi uma das figuras que marcou, de forma decisiva, a história do cristianismo. Ao olharmos para o seu exemplo, impressiona-nos como o encontro com Cristo marcou a sua vida de forma tão decisiva; espanta-nos como ele se identificou totalmente com Cristo; interpela-nos a forma entusiasmada e convicta como ele anunciou o Evangelho em todo o mundo antigo, sem nunca vacilar perante as dificuldades, os perigos, a tortura, a prisão, a morte; questiona-nos a forma como ele quis viver ao jeito de Cristo, num dom total aos irmãos, ao serviço da libertação de todos os homens. Paulo é, verdadeiramente, um modelo e um testemunho que deve interpelar, desafiar e inspirar cada crente.

• O caminho que Paulo percorreu continua a não ser um caminho fácil. Hoje, como ontem, descobrir Jesus e viver de forma coerente o compromisso cristão implica percorrer um caminho de renúncia a valores a que os homens dos nossos dias dão uma importância fundamental; implica ser incompreendido e, algumas vezes, maltratado; implica ser olhado com desconfiança e, algumas vezes, com comiseração… Contudo, à luz do testemunho de Paulo, o caminho cristão vivido com radicalidade é um caminho que vale a pena, pois conduz à vida plena. Concordo? É este o caminho que eu me esforço por percorrer?

• Convém ter sempre presente esse dado fundamental que deu sentido às apostas de Paulo: aquele que escolhe Cristo não está só, ainda que tenha sido abandonado e traído por amigos e conhecidos; o Senhor está a seu lado, dá-lhe força, anima-o e livra-o de todo o mal. Animados por esta certeza, temos medo de quê?

ALELUIA – 2 Cor 5,9
Aleluia. Aleluia.
Deus estava em Cristo reconciliando o mundo consigo
e confiou-nos a palavra da reconciliação.

EVANGELHO – Lc 18,9-14

Mais uma vez, Lucas coloca-nos no “caminho de Jerusalém”, para nos deixar uma lição sobre o “Reino”. Desta vez, Jesus propõe uma parábola “para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros”. Os protagonistas da história são um fariseu e um publicano.
Os “fariseus” formavam um dos grupos mais interessantes e com mais impacto na sociedade palestina do tempo de Jesus. Descendentes desses “piedosos” (“hassidim”) que apoiaram o heróico Matatias na luta contra Antíoco IV Epifanes e a helenização forçada, eram os defensores intransigentes da “Torah” (quer da “Torah” escrita, quer da “Torah” oral – isto é, dos preceitos não escritos, mas que os fariseus tinham deduzido da “Torah” escrita); no dia a dia, procuravam cumprir escrupulosamente a Lei e esforçavam-se por ensinar a Lei ao Povo: só assim – pensavam eles – o Povo chegaria a ser santo e o Messias poderia vir trazer a salvação a Israel. Tratava-se de um grupo sério, verdadeiramente empenhado na santificação do Povo de Deus. No entanto, o seu fundamentalismo em relação à “Torah” será, várias vezes, criticado por Jesus: ao afirmarem a superioridade da Lei, desprezavam muitas vezes o homem e criavam no Povo um sentimento latente de pecado e de indignidade que oprimia as consciências.
Os “publicanos” estavam ligados à cobrança dos impostos, ao serviço das forças romanas de ocupação. Tinham fama de utilizar o seu cargo para enriquecer de modo imoral; e é preciso dizer que, na generalidade, essa fama era bem merecida. De acordo com a Mishna, estavam afetados permanentemente de impureza e não podiam sequer fazer penitência, pois eram incapazes de conhecer todos aqueles a quem tinham defraudado e a quem deviam uma reparação. Se um publicano, antes de aceitar o cargo, fazia parte de uma comunidade farisaica, era imediatamente expulso dela e não podia ser reabilitado, a não ser depois de abandonar esse cargo. Quem exercia tal ofício, estava privado de certos direitos cívicos, políticos e religiosos; por exemplo, não podia ser juiz nem prestar testemunho em tribunal, sendo equiparado ao escravo.

No fariseu e no publicano da parábola, Lucas põe em confronto dois tipos de atitude face a Deus.
O fariseu é o modelo de um homem irrepreensível face à Lei, que cumpre todas as regras e leva uma vida íntegra. Ele está consciente de que ninguém o pode acusar de cometer ações injustas, nem contra Deus, nem contra os irmãos (e, aparentemente, é verdade, pois a parábola não nos diz que ele estivesse a mentir). Evidentemente, está contente (e tinha razões para isso) por não ser como esse publicano que também está no Templo: os fariseus tinham consciência da sua superioridade moral e religiosa, sobretudo em relação aos pecadores notórios (como é o caso deste publicano).
O publicano é o modelo do pecador. Explora os pobres, pratica injustiças, trafica com a miséria e não cumpre as obras da Lei. Ele tem, aliás, consciência da sua indignidade, pois a sua oração consiste apenas em pedir: “meu Deus, tende compaixão de mim que sou pecador”.
O comentário final de Jesus sugere que o publicano se reconciliou com Deus (a expressão utilizada é “desceu justificado para sua casa” – o que nos leva à doutrina paulina da justificação: apesar de o homem viver mergulhado no pecado, Deus, na sua misericórdia infinita e sem que o homem tenha méritos, salva-o). Porquê?
O problema do fariseu é que pensa ganhar a salvação com o seu próprio esforço. Para ele, a salvação não é um dom de Deus, mas uma conquista do homem; se o homem levar uma vida irrepreensível, Deus não terá outro remédio senão salvá-lo. Ele está convencido de que Deus lhe deve a salvação pelo seu bom comportamento, como se Deus fosse apenas um contabilista que toma nota das ações do homem e, no fim, lhe paga em consequência. Ele está cheio de auto-suficiência: não espera nada de Deus, pois – pensa ele – os seus créditos são suficientes para se salvar. Por outro lado, essa auto-suficiência leva-o, também, ao desprezo por aqueles que não são como ele; considera-se “à parte”, “separado”, como se entre ele e o pecador existisse uma barreira… É meio caminho andado para, em nome de Deus, criar segregação e exclusão: é aí que leva a religião dos “méritos”.
O publicano, ao contrário, apoia-se apenas em Deus e não nos seus méritos (que, aliás, não existem). Ele apresenta-se diante de Deus de mãos vazias e sem quaisquer pretensões; entrega-se apenas nas mãos de Deus e pede-Lhe compaixão… E Deus “justifica-o” – isto é, derrama sobre ele a sua graça e salva-o – precisamente porque ele não tem o coração cheio de auto-suficiência e está disposto a aceitar a salvação que Deus quer oferecer a todos os homens.
Esta parábola, destinada a “alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros”, sugere que esses que se presumem de justos estão, às vezes, muito longe de Deus e da salvação.

ATUALIZAÇÃO

Para refletir e atualizar este texto, considerar os seguintes dados:
• Este texto coloca, fundamentalmente, o problema da atitude do homem face a Deus. Desautoriza completamente aqueles que se apresentam diante de Deus carregados de auto-suficiência, convencidos da sua “bondade”, muito certos dos seus méritos, como se pudessem ser eles a exigir algo de Deus e a ditar-Lhe as suas condições; propõe, em contrapartida, uma atitude de reconhecimento humilde dos próprios limites, uma confiança absoluta na misericórdia de Deus e uma entrega confiada nas mãos de Deus. É esta segunda atitude que somos convidados a assumir.

• Este texto coloca, também, a questão da imagem de Deus… Diz-nos que Deus não é um contabilista, uma simples máquina de recompensas e de castigos, mas que é o Deus da bondade, do amor, da misericórdia, sempre disposto a derramar sobre o homem a salvação (mesmo que o homem não mereça) como puro dom. A única condição para “ser justificado” é aceitar humildemente a oferta de salvação que Ele faz.

• A atitude de orgulho e de auto-suficiência, a certeza de possuir qualidades e méritos em abundância, acaba por gerar o desprezo pelos irmãos. Então, criam-se barreiras de separação (de um lado os “bons”, de outro os “maus”), que provocam segregação e exclusão… Isto acontece com alguma frequência nas nossas comunidades cristãs (e até em muitas comunidades religiosas). Como entender isto, à luz da parábola que Jesus hoje nos propõe?

• Nos últimos séculos os homens desenvolveram, a par de uma consciência muito profunda da sua dignidade, uma consciência muito viva das suas capacidades. Isto levou-os, com frequência, à presunção da sua auto-suficiência… O desenvolvimento da tecnologia, da medicina, da química, dos sistemas políticos convenceram o homem de que podia prescindir de Deus pois, por si só, podia ser feliz. Onde nos tem conduzido esta presunção? Podemos chegar à salvação, à felicidade plena, apenas pelos nossos próprios meios?

BILHETE DE EVANGELHO - 30º DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO C

O fariseu não reza a Deus, gaba-se daquilo que é,
compara-se como sendo o melhor de todos. Ele crê não ter necessidade de ser salvo, ajudado, perdoado; não tem necessidade de Deus. Repartirá com o seu orgulho, privado do amor misericordioso de Deus. Quanto ao publicano, volta-se para Deus, suplica-Lhe para ter piedade, reconhece a sua miséria, mas conta com a misericórdia de Deus. Evidentemente, Deus ouve a oração deste último e atende-o; ele reparte de modo diferente, pois Deus faz dele um justo. Não esqueçamos que Jesus conta esta história em relação a certos homens que estavam convencidos de serem justos e desprezavam todos os outros. Com efeito, eis o sentido da história: Jesus não põe em causa a justiça destes homens, como não põe em causa a retidão e a generosidade do fariseu que ultrapassa as exigências da Lei; o que Jesus critica ao fariseu da parábola e, sobretudo, aos seus ouvintes é que eles desprezavam todos os outros. Ora, não se pode entrar em relação com Deus quando se manifesta desprezo em relação aos irmãos: “Aquele que diz que ama a Deus e não ama o seu irmão é um mentiroso”.


À ESCUTA DA PALAVRA.

Este fariseu é vilão, nada simpático, olhando apenas os seus méritos, tomando-se por modelo de virtudes! Este publicano, que exemplo de humildade! Não se coloca à frente, baixa os olhos, reconhece-se pecador! Atenção! Não andemos demasiado depressa! O fariseu é um homem profundamente religioso, habitado pela preocupação em obedecer à Lei de Deus. Vai ao Templo para rezar e a sua fé impregna toda a sua vida. Mais ainda, dá à sua fé uma cor de ação de graças. E Jesus não havia dito “aquele que violar um dos mais pequenos preceitos da Lei será tido como o mais pequeno no Reino”? O publicano, ao contrário, é um homem a não frequentar. Fica à distância, porque lhe é proibido entrar no Templo. É um colaborador dos Romanos, contaminado pela impureza dos pagãos. E é um “ladrão profissional”, como Zaqueu! Finalmente, o fariseu tem razão em experimentar um sentimento de desprezo para com este publicano que todo o mundo detesta. O próprio Jesus havia dito: “Se o teu irmão pecar e recusar escutar a comunidade, seja para ti como o pagão e o publicano”. Sabendo isso, como não ficar chocado com a palavra de Jesus: “Quando o publicano voltou a casa, foi ele que se tornou justo e não o fariseu”? Leiamos mais atentamente.
O que está no centro da parábola não é o fariseu nem o publicano. É Deus. Deus deu a Lei a Moisés, mas nunca disse que Se identificava pura e simplesmente com os preceitos jurídicos. Pelo contrário, com os profetas, não pára de dizer que é um Deus que não faz senão amar o seu povo. É esse traço do rosto de Deus que Jesus veio não somente privilegiar, mas colocar à frente de todos os outros aspectos. O seu nome é Pai. Jesus dirá: “É a misericórdia que eu quero, não os sacrifícios”. Com o fariseu, Deus não tem mais nada a fazer: ele é justo em si mesmo. O publicano, não tendo qualquer mérito a dar, só tem a receber. E justamente Deus quer dar, dar-Se, gratuitamente. Ele pode então “ajustar” o publicano ao seu amor. Finalmente, somos convidados, nós também, a perguntar em que Deus acreditamos.

PALAVRA PARA O CAMINHO DA VIDA…

Levar a Palavra de Deus como luz para mais uma semana de trabalho, de estudo… Ao longo dos dias da semana que se segue, procurar rezar e meditar algumas frases da Palavra de Deus: “O Senhor é um juiz que não faz acepção de pessoas…”; “Quem adora a Deus será bem acolhido…”; “A toda a hora bendirei o Senhor…”; “O Senhor está a meu lado e dá-me força…”; “Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador…”

Procurar transformá-las em atitudes e em gestos de verdadeiro encontro com Deus e com os próximos que formos encontrando nos caminhos percorridos da vida…

O mundo está farto de homens religiosos e piedosos que murmuram crenças enlatadas.

Deus quer homens reais, homens que creiam em Alguém por Quem estejam dispostos a viver e morrer.

O cristianismo é apenas uma coisa bonita na minha vida, ou a própria vida pra mim?

Sou coerente, na prática, com aquilo que afirmo ser?

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

BILHETE DE EVANGELHO-29º DOMINGO DO TEMPO COMUM-ANO C

O que conta aos olhos do Senhor é a perseverança no pedido.

O juiz da parábola faz justiça, não para fazer respeitar a justiça, mas para ter a paz.
É a perseverança da mulher que lhe faz obter o que ela pede.
O que conta aos olhos do Senhor é a perseverança no pedido.
Deus parece esperar a confiança daqueles que Lhe rezam. A confiança não tem limites… Mas Jesus coloca a terrível questão: “O Filho do Homem, quando vier, encontrará fé sobre a terra?”
Não respondamos demasiado depressa… A nossa oração verifica a nossa fé, mas é necessário que ela se faça perseverança…

À ESCUTA DA PALAVRA.

“É preciso rezar sempre sem desencorajar”.

Jesus tomou o exemplo da viúva que pede obstinadamente que a justiça lhe seja feita, para ilustrar o seu convite a uma oração perseverante, também ela obstinada.

Mas poderíamos esperar esta conclusão: “Se vós insistis sem cessar junto de Deus com a vossa oração, então, como o juiz, Ele acabará por ceder e atenderá o vosso pedido”. Mas não! Jesus parece incoerente. Ele diz: “E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite, e iria fazê-los esperar muito tempo? Eu vos digo que lhes fará justiça bem depressa”.

É preciso rezar longamente, com perseverança, sem desencorajar e então Deus escuta-nos depressa, sem tardar!

Tudo isso não é muito lógico! Mas que quer Jesus dizer-nos?

A palavra-chave é que “Deus faz-nos justiça”.

É uma palavra terrivelmente ambígua. A justiça entre os homens é indispensável. Consiste em dar a cada um o que lhe é devido, a reconhecer os deveres e os direitos de cada um. Há leis para dizer quais são esses direitos e deveres, há juízes para aplicar essas leis.

Mas a justiça humana é sempre muito limitada e é preciso, muitas vezes, uma longa paciência para que ela seja, ao menos um pouco, aplicada!

Com Deus, as coisas não são assim. Deus não é um juiz mais perfeito que os juízes terrestres, a justiça de Deus não é um decalque eterno da justiça humana. Jesus veio revelar-nos que Deus é Amor.

Desde então, Deus é justo quando a sua ação é “ajustada” ao seu ser, é justo quando ama.

O mais alto degrau da justiça é perdoar e fazer misericórdia, porque aí se manifesta em plena luz a verdadeira natureza de Deus, o seu amor totalmente gratuito.

É precisamente isso que pedem os “eleitos”, aqueles que compreenderam qual é a justiça de Deus: Ó Deus, dá-me o teu amor, o teu Espírito Santo, para que Ele ajuste o meu coração e toda a minha vida ao teu amor. Perdoa os meus pecados”.

Esta oração, Deus atende-a sem tardar, como fez ao bom ladrão: “Hoje, estarás comigo no Paraíso”. Esta oração, posso e devo fazê-la todos os dias, sem me cansar, sem me desencorajar, porque é todos os dias que preciso de ser ajustado ao amor de Deus.

PALAVRA PARA O CAMINHO DA VIDA…

Levar a Palavra de Deus como luz para mais uma semana de trabalho, de estudo… Ao longo dos dias da semana que se segue, procurar rezar e meditar algumas frases da Palavra de Deus: “o Senhor é quem te guarda… o Senhor vela pela tua vida…”; “proclama a palavra, insiste a propósito e fora de propósito, argumenta, ameaça e exorta, com toda a paciência e doutrina”; “…necessidade de orar sempre sem desanimar…”. Procurar transformá-las em atitudes e em gestos de verdadeiro encontro com Deus e com os próximos que formos encontrando nos caminhos percorridos da vida…

Pe. Emílio Carlos+

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

GRAÇA BARATA OU CARA?

A graça não é o contrário do esforço!
Uma vez eu cheguei a começar um texto com o título de “graça barata ou cara?”, mas nunca terminei, porque eu não sabia a resposta.
O que eu posso dizer é que eu não suporto o discurso exagerado dos liberais. E ao mesmo tempo eu não agüento o discurso cheio de regras, cheio de pode e não pode cheio de doutrina de homens fanáticos ou como fariseus hipócritas que impõe leis para os outros, mas não conseguem empurrar o fardo com seu dedo.
A verdade é que os liberais exageram a ponto de pensar que nada que eles façam, sejam ou pensem tenha algum significado para Deus. E por outro lado os fanáticos moralistas pensam que tudo que eles façam, sejam ou pensem fará com que Deus mais os odeie ou ame. Ambos caem na não-graça.
Não que a graça não seja como “não há nada que possamos fazer para Deus nos amar mais e não há nada que possamos fazer para Deus nos amar menos”, porém o amor de Deus também se manifesta mediante o zelo, e o ciúme do Espírito Santo, ou seja, Deus nos ama tanto a ponto de se recusar em aceitar o estilo de vida errado que podemos estar vivendo.
Ele nós quer livre!
Quando eu defendo que não há nada que devamos fazer além de amar ao próximo como a nós mesmos e como Ele nos amou e que esta é a lei maior a que temos que viver e por em prática como cristãos que somos, não me entenda mal.
Eu não estou negando o resto da Bíblia, exatamente o contrário eu estou a reafirmando. Porque foi nela que eu descobri isso. E o cumprimento de toda a Lei se resume nisso.
Também não me entenda mal ao dizer que o amor de Cristo por nós vai além de tudo o que fizemos.
Eu não estou negando a Bíblia ao fazer isso, eu estou a reafirmando. Basta você lembrar-se de Moisés (um assassino), Davi (um adúltero e homicida), Paulo (um assassino de cristãos) ou até mesmo do assassino (ninguém é crucificado só por ser ladrão) na cruz do calvário que ainda naquele dia iria se encontrar com Jesus no paraíso, não havia nada que ele pudesse fazer para ser salvo, a não ser aceitar a salvação.
Porém, apesar de todas as evidências de um Deus amoroso que perdoa os pecadores, e oferece vida nova, ainda assim eu acredito em inferno.
A graça é graça desde que nós a aceitemos como ela é.
É impossível receber um presente de mãos fechadas.
É impossível ser amado sem aceitar.
Um “ladrão” aceitou Jesus como Santo e Messias, já outro o negou e evidentemente seguiu o caminho da perdição.
Negar a existência do inferno e a necessidade de viver uma vida santa e irrepreensível diante de Deus e dos homens por ter sido salvo é graça, mas não posso negar que precisa de minha participação neste mistério do amor reconciliador de Deus.
E que não é moralismo que me salva e nem liberalismo, mas sim a prática do Evangelho e da verdade de vida na conduta do meu viver o Evangelho, numa religião que não é ritual, dogmatismo, moralismos, ou coisas parecidas.
Mas acredito no caminho da conversão que não exige meu esforço e minha conduta de vida naquilo que professo minha fé e que não vivo de condicionamentos, conivências, condescendências, conveniências. Que diz uma coisa aqui e outra acolá. Dentro da Igreja um rosto de santo “de pau oco” e lá fora um demônio em forma de gente.
Nós somos salvos pela graça, mediante a fé.
Isso é claro, porque se alguém se salvar ele não precisa de Deus, ele se tornar orgulhoso e o orgulho é o pior dos pecados.
Mas ao mesmo tempo somos salvos para as boas obras, e as boas obras como afirmava São Tiago é a confirmação da fé: pois a fé sem obras é morta e obras sem fé para mim é vã.
A pessoa quando entrega sua vida a Jesus a entrega por completo, aceitar Jesus sem aceitar o padrão moral da fé cristã e sem aceitar que nosso corpo agora pertence a ele é aceitar um cristianismo-barato, é aceitar outro cristianismo, outro evangelho, é crucificar Jesus de novo.
Somos chamados para ser um povo piedoso que pensa, sente e age de acordo com os princípios do Céu. Para que o Espírito recrie em nós o caráter de nosso Senhor, só nos envolvemos naquelas coisas que produzirão em nossa vida pureza, saúde e alegria semelhantes às de Cristo.
Mas piedade não pode ser confundida com uma vida piegas e sem compromissos e responsabilidades.
Para ser verdadeiramente cristão, o comportamento tem que ser movido pelo poder do amor divino.
“O amor de Cristo nos constrange” (II Cor. 5,14). “Nós amamos porque Ele [Deus] nos amou primeiro” (I João 4,19).
Conforme Jesus ensinou claramente no Sermão da Montanha (Mat. 5-7), a estrita retidão de comportamento externo destituída da motivação do amor não é a regra do Reino de Deus. Somente depois de aceitar a graça e o amor de Deus em Cristo Jesus é que nosso procedimento pode ser verdadeiramente cristão.
A aceitação da obra de Cristo em favor da nossa salvação é o que prepara o terreno para um comportamento moral capaz de corresponder ao amor de Deus. Tendo sido inundado pela gratidão e pela abundância do amor de Deus, o cristão está preparado para agir por amor.
Por outro lado, sem a graça de Deus, qualquer ênfase em altos padrões de comportamento é mais do que ineficaz; geralmente se torna destrutiva. Tende a despertar sentimentos de orgulho em função dos êxitos morais ou desespero por causa das falências morais.
Creio que a única forma de sermos curados do legalismo é reconhecer nossa pobreza espiritual e aceitar o sempre disponível perdão divino.(Rom. 1-6).
Adotar os amplos princípios da Palavra de Deus como o fundamento do caráter.
A compreensão dos amplos princípios das Escrituras nos protege contra a intolerância moral. Jesus disse aos fariseus: “Hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas” (Mat. 23,23).
Os amplos princípios bíblicos, começando com o princípio do amor, ajudam a estabelecer prioridades para que as pequenas coisas não recebam mais importância do que aquelas que realmente devem merecer nossa melhor atenção.
Adotar os elevados padrões de vestuário, modéstia, regime alimentar e recreação, deve ser uma bênção verdadeira. Mas essas observâncias podem se tornar motivo de piadas por parte de pessoas que manifestam posições racistas ou não se sensibilizam diante dos tremendos desafios da violência, pobreza e da fome. Discutir as questiúnculas do regime alimentar sem se preocupar com quem está morrendo de fome é uma enorme contradição. Vez após vez, a Bíblia nos convida a ajustarmos nosso foco sobre as questões verdadeiramente centrais.
A compreensão dos princípios bíblicos centrais requer muito estudo e reflexão. Quando Jesus exaltou a confiança infantil, estava apelando por um espírito de humildade (Mat. 18,1-4) e não desprezando o valor da obediência. Uma criança tem de ser ensinada a obedecer antes que possa questionar se isso é ou não possível. Mas esse não é o alvo da maturidade cristã.
Vou tomar uma ilustração como exemplo: em uma casa que se tem duas pequenas de 9 anos. São semelhantes em muitos aspectos. Geralmente obedecem – na maior parte do tempo. E quando desobedecem, deixam transparecer o senso de culpa. Mas, apesar de tudo isso, nossas expectativas são bem diferentes para as duas. Uma está se preparando para se tornar uma pessoa moralmente responsável. A outra jamais. Essa chocante diferença decorre do enorme abismo entre as duas em termos de capacidade para entender as razões para se comportar de uma ou outra forma.
Por isso creio que: “A disciplina de um ser humano que haja atingido os anos da inteligência, deve diferir do ensino de um animal irracional.” Veja esta frase e questione: “Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, no que respeita ao universo, ainda não adquiri a certeza absoluta”( Albert Einstein). Se o “bom comportamento” fosse a única coisa em termos de moralidade, então seria muito mais fácil treinar um animal do que educar uma criança. Mas para que os verdadeiros princípios possam atuar em um ser moralmente maduro, o dom da razão não pode ser desconsiderado. Creio que esse deveria ser um alvo de cada norma cristã.
Quando Jesus disse que “o sábado foi feito por causa do homem e não o homem por causa do sábado” (Mar. 2,27), estabeleceu uma verdade que pode ser aplicada a todos os padrões de comportamento. Aplicar normas de comportamento de forma a destruir pessoas deve ser algo fortemente desestimulado.
Esse conceito de que normas de comportamento devem ser usadas em favor de construir relacionamentos inclui a sensibilidade às diferenças culturais. Um óbvio exemplo tem a ver com os hábitos de vestuário. A Bíblia ensina a modéstia em termos de vestuário e aparência pessoal (I Ped. 3,1-4; I Cor. 11,4-6). Esse é um princípio geral. Mas o que conta como modéstia, em qualquer aplicação particular desse princípio, deve ficar dentro do limite das práticas culturais. Por essa razão, nossa declaração de crenças fundamentais, nesse ponto, recomenda o vestuário “simples e modesto e de bom gosto, embora reconheçamos as diferenças culturais”.
Esse detalhe é particularmente importante, pois fazemos parte de um movimento mundial. Agora mesmo enquanto escrevo este texto estou inserido em uma cultura diferente daquela na qual nasci. Aliás, é comum eu achar que se determinada coisa está bem em relação à minha cultura, então deve estar bem para todos. Mas a verdade transcultural do amor e da graça de Deus deveria transformar os últimos traços de toda essa arrogância cultural.
Acho que em parte era isso que Paulo estava querendo dizer quando afirmou que seu desejo era identificar-se com todos os grupos de pessoas para que pudessem ganhá-los para o Evangelho (I Cor. 9,19-23).
Muito mais poderia (e deveria) ser dito a respeito da maturidade do comportamento cristão. Mas acho que uma declaração curta e direta pode ser o suficiente: Como um cristão, creio que o mais elevado padrão para o meu comportamento não é uma regra nem um princípio; não é dogmatismos, devocionalismo, moralismos, liberalismo, conservadorismos, ritualismos, é a vida do Senhor Jesus, a quem todos os padrões devem estar subordinados.
Somente Jesus deu-nos o “exemplo para que pudéssemos seguir os Seus passos, pois Ele não cometeu pecado” (I Ped. 2,21-22).
A confusão que campeia nessa matéria resulta da falta de disposição de cristãos professos para levar a sério a Palavra do Senhor. O cristianismo está tão emaranhado no mundo que milhões nunca percebem quão radicalmente abandonaram o padrão do Novo Testamento. A transigência está por toda parte. O mundo está suficientemente caiado, encobrindo as suas faltas, para passar no exame feito por cegos que posam como cristãos; e esses mesmos cristãos estão eternamente procurando obter aceitação da parte do mundo. Mediante mútuas concessões, homens que a si mesmos se denominam cristãos manobram para ficar bem como homens que para as coisas de Deus nada têm, senão mudo desprezo.
Toda esta questão é espiritual, em sua essência. O cristão é o que não é por manipulação eclesiástica, mas pelo novo nascimento. É cristão por causa de um Espírito que nele habita. Só o que é nascido do Espírito é espírito. A carne nunca pode converter-se em espírito, não importa quantos homens considerados dignos da igreja nela trabalhem. A confirmação, o batismo, a santa comunhão, a profissão de fé – nenhum destes, nem todos estes juntos, podem transformar a carne em espírito, e tampouco podem fazer de um filho de Adão um filho de Deus. “E, porque vós sois filhos”, escreveu Paulo aos gálatas, “enviou Deus aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai.” E aos coríntios, ele escreveu: “Examinai-vos a vós mesmos, se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados”. E aos romanos: “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vós.
E se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele”.
A terrível zona de confusão tão evidente em toda a vida da comunidade cristã, poderia ficar esclarecida num só dia, se os seguidores de Cristo começassem a seguir a Cristo em vez de uns aos outros.
Pois o nosso Senhor foi muito claro em Seu ensino sobre o cristão e o mundo.
Numa ocasião, depois de receber não solicitado e carnal conselho de irmãos sinceros, mas não esclarecidos, o nosso Senhor respondeu: “O meu tempo ainda não chegou, mas o vosso sempre está presente. Não pode o mundo odiar-vos, mas a mim me odeia, porque eu dou testemunho a seu respeito de que as suas obras são más”. Ele identificou os Seus irmãos na carne com o mundo e disse que Ele e eles eram de dois espíritos diferentes. O mundo O odiava, mas não podia odiá-los porque não podia odiar-se a si próprio. Uma casa dividida contra si mesma não subsiste. A casa de Adão tem que permanecer leal a si própria, ou se romperá. Conquanto os filhos da carne possam brigar entre si, no fundo estão unidos uns aos outros. É quando o Espírito de Deus entra que entra um elemento estrangeiro. “Se o mundo vos odeia”, disse o Senhor aos Seus discípulos, “sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário dele vos escolhi, por isso o mundo vos odeia.”. Paulo explicou aos gálatas a diferença entre o filho escravo e o livre: “Como, porém outrora, o que nascera segundo a carne perseguia ao que nasceu segundo o Espírito, assim também agora” (Gálatas 4,29).
Assim, através do Novo Testamento inteiro, é traçada uma aguda linha entre a igreja e o mundo. Não há meio termo. O Senhor não reconhece nenhum bonzinho “concordar para discordar” para que os seguidores do Cordeiro adotem os procedimentos do mundo e andem pelo caminho do mundo. O abismo que há entre o cristão e o mundo é tão grande como o que separou o rico de Lázaro. E, além disso, é o mesmo abismo, isto é, é o abismo que separa o mundo, dos resgatados do mundo; do mundo, dos que continuam caídos.
Bem sei, e o sinto profundamente quão ofensivo esse meu ensino deve ser para aquele bando de mundanos que mói e remói o rebanho tradicional.
Que fica no ritualismo e tradicionalismo ou que caem em um liberalismo total, mas a graça exige o esforço.

Não posso alimentar a esperança de escapar da acusação de fanatismo e intolerância que, sem dúvida, lançarão contra mim os confusos de apenas espírito religioso de tradição que procuram fazer-se ovelhas por associação. Mas bem podemos encarar a dura verdade de que os homens não se tornam cristãos associando-se com gente de igreja, nem por contato religioso, nem por educação religiosa; tornam-se cristãos somente por uma invasão da sua natureza, invasão feita pelo Espírito de Deus por ocasião do novo nascimento. E quantos se tornam cristãos assim, imediatamente passam a ser membros de uma nova geração, uma “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia” (I Pedro 2,9-10).
Com os versículos citados, não houve desejo de os citar fora do contexto, nem de focalizar a atenção num lado da verdade para desviá-lo de outro. O ensino desta passagem forma completa unidade com toda a verdade do Novo Testamento. É como se tirássemos um copo de água do mar. O que tiraríamos não seria toda a água do oceano, mas seria uma amostra real e em perfeito acordo como o restante.
A dificuldade que nós cristãos contemporâneos enfrentamos não é a de entender mal a Bíblia, mas a de persuadir os nossos indóceis corações a aceitarem as suas claras instruções. O nosso problema é conseguir o consentimento das nossas mentes amantes do mundo para termos Jesus como Senhor de fato, bem como de palavra. Pois uma coisa é dizer, “Senhor, Senhor”, e outra completamente diferente é obedecer aos mandamentos do Senhor. Podemos cantar, “Coroado O Senhor”, e regozijar-nos com os agudos e sonoros tons dos ministérios de música e com a profunda melodia de vozes harmoniosas, mas ainda não teremos feito nada enquanto não abandonarmos o mundo e não fizermos o nosso rostos na direção da cidade de Deus na dura realidade prática. Quando a fé se torna obediência, aí é de fato fé verdadeira.
O espírito do mundo é forte, e gruda em nós tão entranhadamente como cheiro de fumaça em nossa roupa. Ele pode mudar de rosto para adaptar-se a qualquer circunstância e assim enganar muito cristão simples, cujos sentidos não são exercitados para discernir o bem e o mal. Ele pode brincar de religião com todas as aparências de sinceridade. Ele pode ter acessos de sensibilidade de consciência, e até pode confessar os seus maus caminhos pela imprensa pública. Ele louvará a religião e bajulará a igreja por seus fins. Ele contribuirá para as causas de caridade e promoverá campanha para distribuir roupas aos pobres.
Basta que Cristo guarde distância e que nunca afirme o Seu senhorio sobre ele. Positivamente isso não durará. E para com o verdadeiro Espírito de Cristo, só mostrará antagonismo. A imprensa do mundo (que é seu real porta-voz) raramente dará tratamento justo a um filho de Deus. Se os fatos a compelem a uma reportagem favorável, o tom tende a ser condescendente e irônico. Ressoa nela a nota de desdém.
Tanto os filhos deste mundo como os filhos de Deus foram batizados num espírito, mas o espírito do mundo e o Espírito que habita nos corações dos homens nascidos duas vezes acham-se tão distanciados um do outro como o céu do inferno.
Não somente são o completo oposto um do outro, mas também estão em extremo combate um contra o outro, e em agudo antagonismo um contra o outro. Para um filho da terra as coisas do Espírito são, ou ridículas, caso em que ele se diverte, ou sem sentido, caso em que ele se aborrece. “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente.”
Na Primeira Epístola de João duas palavras são empregadas uma e outra vez, as palavras eles e vós, e elas designam dois mundos totalmente diversos; vós refere-se aos escolhidos, que deixaram tudo para seguir a Cristo. O apóstolo não se põe genuflexo, de joelhos, ante o deusote Tolerância (cujo culto se tornou na América uma espécie de religião de segunda capa); João é grosseiramente intolerante. Ele sabe que a tolerância pode ser simplesmente outro nome para a indiferença.
Exige-se vigorosa fé para aceitar o ensino do experimentado João. É muito mais fácil apagar as linhas de separação e, assim, não ofender ninguém.
Generalidades piedosas e o emprego de nós para significar tanto cristãos como descrentes, é muito mais seguro.
A paternidade de Deus pode ser ampliada para incluir toda gente, desde Jack, o Estripador, até Daniel, o Profeta. Assim, ninguém fica ofendido e todos se sentem banhados e prontos para o céu. Mas o homem que se reclinara sobre o peito de Jesus não foi enganado assim tão facilmente. Ele traçou uma linha para dividir em dois campos a raça humana, para separar dos salvos os perdidos, dos que se afundarão no desespero final os que subirão para a recompensa eterna. De um lado estão eles — aqueles que não conhecem a Deus; de outro, vós (ou, com uma mudança de pessoa, nós), e entre ambos está um abismo moral largo demais para qualquer homem atravessar.
Eis aqui o modo como João o declara: “Filhinhos, vós sois de Deus, e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo. Eles procedem do mundo; por essa razão falam da parte do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro”. Uma linguagem como esta é clara demais para confundir qualquer pessoa que honestamente queira conhecer a verdade. Nosso problema não é de entendimento, repito, mas de fé e obediência. A questão não é teológica: Que é que isto ensina?
É moral: Estou disposto a aceitar isto e arcar com as conseqüências?
Posso agüentar o olhar frio?
Tenho coragem de enfrentar os acerbos ataques movidos pelos modernistas?
Ouso provocar o ódio dos homens que se sentirão apontados por minha atitude?
Tenho suficiente independência mental para desafiar as opiniões da religião piegas, ritualista e de acompanhar um apóstolo?
Ou, em resumo, posso persuadir-me a tomar a cruz com o seu sangue e com o seu opróbrio?

O cristão é chamado para ficar separado do mundo, mas precisamos ter certeza de que sabemos o que queremos dizer (ou, mais importante, o que Deus quer dizer) com o mundo. É provável que o façamos significar alguma coisa externa apenas, perdendo, assim, o seu significado real. Teatro, cartas, bebidas, jogos — estas coisas não são o mundo; são simples manifestações externas do mundo. A nossa luta não é apenas contra os procedimentos do mundo, mas contra o espírito do mundo. Porquanto o homem, salvo ou perdido, essencialmente é espírito. O mundo, no sentido neotestamentário do termo, é simplesmente a natureza humana não regenerada onde quer que esta se encontre, quer no bar, quer na igreja. O que quer que brote da natureza decaída, ou seja, edificado sobre ela ou dela receba apoio, é o mundo, seja moralmente vil ou moralmente respeitável. Os antigos fariseus, a despeito da sua zelosa dedicação à religião, eram da própria essência do mundo.
Os princípios espirituais sobre os quais eles construíram o seu sistema foram retirados, não do alto, mas de baixo. Eles empregaram contra Jesus as táticas dos homens. Subornavam os homens para dizerem mentiras em defesa da verdade.
Para defender Deus, agiam como demônios.
Para proteger a Bíblia, desafiavam os ensinamentos da bíblia. Eles sabotavam a religião para salvá-la. Davam rédeas soltas ao ódio cego em nome da religião do amor. Vemos aí o mundo com todo o seu cruel desafio a Deus. Tão feroz foi esse espírito, que não descansou enquanto não levou à morte o próprio Filho de Deus. O espírito dos fariseus era ativa e maliciosamente hostil ao Espírito de Jesus, pois cada qual era uma espécie de destilação de ambos os respectivos mundos dos quais provinham.
Os mestres atuais que situam o Sermão do Monte nalguma outra dispensação que não esta e, assim, liberam a igreja do seu ensino, mal percebem o mal que fazem.
Pois o Sermão do Monte dá em resumo as características do Reino dos homens regenerados. Os bem-aventurados pobres que choram seus pecados e têm sede de justiça são verdadeiros filhos do Reino. Com mansidão mostram misericórdia para com os seus inimigos; com sincera simplicidade contemplam a Deus; rodeados de perseguidores, abençoam, e não amaldiçoam. Com modéstia escondem as suas boas obras e com paciência aguardam a visível recompensa de Deus. Livremente renunciam aos seus bens terrenos, em vez de usar a violência para protegê-los.
Eles acumulam os seus tesouros no céu. Evitam os elogios e esperam o dia da prestação final de contas para saber quem é maior no Reino do céu.
Se esta é uma visão bem precisa das coisas, que podemos dizer quando cristãos disputam entre si lugar e posição?
Que podemos responder quando os vemos famintamente procurando homenagens e louvor?
Como podemos desculpar a paixão por publicidade, tão claramente evidente entre os líderes cristãos?
Que dizer da ambição política nos círculos cristãos?
E das febris mãos estendidas para mais e maiores “oferendas de amor”?
Que dizer do desavergonhado egoísmo entre os cristãos?
Como explicar o grosseiro culto do homem que habitualmente infla um ou outro líder popular dando-lhe somas endinheiradas, beijo dado por aqueles que se propõe como fiéis pregadores do Evangelho?

Há só uma resposta a essas perguntas, é simplesmente que nessas manifestações vemos o mundo, e nada senão o mundo.
Nenhuma apaixonada declaração de “amor” às “almas” pode transformar o mal em bem. Estes são os mesmos pecados que crucificaram Jesus.
Também é verdade que as mais grosseiras manifestações da natureza humana decaída fazem parte do reino deste mundo. Diversões organizadas com ênfase em prazeres frívolos, os grandes impérios edificados em hábitos viciosos e inaturais, o irrestrito abuso dos apetites normais, o mundo artificial denominado “alta sociedade” – todas estas coisas são do mundo. Todas fazem parte daquilo de que a carne consiste, daquilo que se edifica sobre a carne e que há de perecer com a carne.
E dessas coisas o cristão deve fugir. Todas essas coisas ele tem que pôr para trás e nelas não deve tomar parte. Contra elas deve pôr-se serena, mas firmemente, sem transigência e sem temor.
Portanto, que o mundo se apresente em seus aspectos mais feios, quer em suas formas mais sutis e refinadas, devemos reconhecê-lo pelo que ele é, e repudiá-lo categoricamente. Precisamos fazer isso, se é que desejamos andar com Deus em nossa geração como Enoc o fez na sua.
Um rompimento puro e simples com o mundo é imperativo.
“Infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo, constitui-se inimigo de Deus” (Tiago 4,4). “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo” (I João 2,15-16). Estas palavras de Deus não estão diante de nós para nossa consideração; estão aí para nossa obediência, e não temos direito de nos intitularmos cristãos se não as seguimos.
Quanto a mim, temo qualquer tipo de movimento religioso entre os cristãos que não leve ao arrependimento, resultando numa aguda separação do cristão e o mundo. Suspeito de todo e qualquer esforço de avivamento organizado, que seja forçado a reduzir os duros termos do Reino. Não importa quão atraente pareça o movimento, se não se baseia na retidão e não é cuidado com humildade, não é de Deus.
Se explora a carne, é uma fraude religiosa e não deve receber apoio de nenhum cristão temente a Deus.
Só é de Deus aquele que honra o Espírito e prospera às expensas do ego humano. “Como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor”.

com minha benção

Pe.Emílio Carlos+

sábado, 9 de outubro de 2010

BILHETE DE EVANGELHO - 28º DOMINGO DO TEMPO COMUM

É preciso ser um samaritano, um dos habitantes da Samaria com os quais os Judeus não querem ter nada em comum, a vir até Jesus após a sua cura, para ter um ato de reconhecimento. Sim, ele reconhece que
Deus o curou pois ele glorifica-O, enquanto Jesus reconhecerá que a sua fé o salvou. Ele é salvo precisamente porque reconhece Aquele que o salva.

Tal é a diferença em relação aos outros nove leprosos curados que não reconhecem Aquele que os purificou.

Enfim, o leproso samaritano faz ato de reconhecimento vindo agradecer: lança o rosto por terra aos pés de Jesus dando-Lhe graças. O homem pode levantar-se porque está totalmente salvo: não apenas o seu corpo é purificado mas, ao vir glorificar Deus e dar-Lhe graças, pode aproximar-se de Jesus, o verdadeiro Salvador, que salva o homem e dele espera a caminhada da fé.

À ESCUTA DA PALAVRA

Todos os pais têm a preocupação em ensinar aos seus filhos “se faz favor” e “obrigado”. Isso faz parte da boa educação. Mas estas duas palavras estão carregadas de um sentido que a criança deve descobrir progressivamente: ninguém consegue sozinho, todos temos necessidade dos outros.

Reconhecer que, sozinho, não posso fazer tudo; tenho necessidade de receber, de pedir. E dizendo obrigado aos outros, reconheço que me fizeram bem. Enfim, estas palavras, que parecem tão banais, exprimem a dimensão social do ser humano. A comunidade humana e a comunidade cristã constroem-se através destas relações, destes contatos quotidianos nos quais cada um se reconhece, em todos os sentidos desta palavra. Hoje, Jesus convida-nos a recordar tudo isso na nossa relação com Deus. Os dez leprosos vieram até Ele porque reconheciam n’Ele um mestre, um enviado de Deus. Ousam pedir o que ninguém podia dar naquela época: a cura da lepra.

Pedem um favor que ultrapassa as forças humanas.

É a Deus que se dirigem através de Jesus. Pedem a Jesus e Ele cura-os. Mas um só vem dizer “obrigado”. Um estrangeiro, um samaritano. Talvez os outros pensassem que tinham o direito de serem curados por serem judeus… O estrangeiro, esse, reconhece que a sua cura é dom gratuito da bondade de Deus. Volta junto de Jesus para “reconhecer” este dom. Entra numa relação plena com Deus.

Veio com a sua pobreza, para pedir; regressa, com a sua gratidão, para reconhecer que Jesus respondeu ao seu pedido. O ato central, fonte e cume da vida cristã, a Eucaristia, significa “ação de graças”. Eis o pedido supremo que podemos dirigir a Deus: que nos dê a sua presença em Jesus ressuscitado e o nosso “obrigado”, o mais perfeito possível que possamos dizer a Deus. Aí, estamos bem no coração da nossa fé e do nosso amor.

PALAVRA PARA O CAMINHO DA VIDA…

Levar a Palavra de Deus como luz para mais uma semana de trabalho, de estudo… Ao longo dos dias da semana que se segue, procurar rezar e meditar algumas frases da Palavra de Deus: “Cantai ao Senhor um cântico novo”…; “A Palavra de Deus não está encadeada”…; “Se morremos com Cristo, também com Ele viveremos”...; “Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou”… Procurar transformá-las em atitudes e em gestos de verdadeiro encontro com Deus e com os próximos que formos encontrando nos caminhos percorridos da vida…

Com minha benção
Padre Emílio Carlos+

sábado, 2 de outubro de 2010

BILHETE DE EVANGELHO 27º Domingo do Tempo Comum C

A fé não é da ordem da evidência, mas do crescimento.

O pedido “aumenta a nossa fé” que os Apóstolos fazem a Jesus é uma bela oração também para nós.
No Evangelho de Mateus, diz-se que, no momento da partida de Jesus, “alguns tiveram dúvidas”, enquanto Jesus lhes assegura que estará com eles todos os dias até ao fim dos tempos. Isto quer dizer que a fé não é da ordem da evidência, mas do crescimento: não somos crentes uma vez por todas, tornamo-nos crentes. E esta fé, precisa Jesus, manifesta-se humildemente, porque a confiança não suporta grandes declarações, verifica-se no quotidiano e nas pequenas coisas, pode mesmo operar grandes coisas, porque Deus Se deixa tocar pela confiança que n’Ele depositamos. Deus deixa-Se tocar pela humildade do servo, pois tal é a única e verdadeira atitude que espera daqueles que põem n’Ele a sua confiança.
O servo não procura, então, a glória, mas somente a alegria de ter feito o seu dever.

À ESCUTA DA PALAVRA.

“Aumenta a nossa fé!” Jesus já tinha ouvido uma súplica semelhante, quando o pai da criança epilética lhe havia suplicado: “Vem em ajuda da minha pouca fé!” A resposta de Jesus é surpreendente, até provocadora, sem dúvida: “Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: ‘arranca-te daí e vai plantar-te no mar’, e ela obedecer-vos-ia”. A sua resposta, na realidade, força-nos a ir para além do imediato e do sensacional. A fé é já um caminho humano. Quando duas pessoas se amam, sabem muito bem que o seu amor não se pode demonstrar cientificamente. O amor descobre-se como um dom gratuito, mas constrói-se na confiança. Posso dizer àquele ou àquela que amo “eu sei que te amo”, porque sei o que vibra dentro de mim.

Mas ao mesmo tempo não posso dizer-lhe “creio que tu me amas”, porque não estou na pele do outro. O amor implica, pois, um salto num certo desconhecido que, no plano das relações humanas, pode, sem dúvida, apoiar-se nas provas “tangíveis”, mas que são fracas.

Quando se trata da nossa relação com Deus, a fé é, sem dúvida, mais difícil, porque não tem, ou tem muito pouco, suporte “afetivo”. Mas o “princípio”, finalmente, é o mesmo. Sou convidado a ter confiança na Palavra de Deus, que se exprimiu plenamente em Jesus e foi transmitida pelos seus primeiros discípulos. Jesus dá-lhes como missão serem suas testemunhas autorizadas. Posso, sem dúvida, pôr em causa o seu testemunho, não aderir a Ele, exigindo provas convincentes. Mas posso igualmente comprometer-me noutro caminho, da relação amorosa com Jesus.

A fé só se pode viver numa relação de amor que nos faz ver para lá das aparências, porque os homens vêem com os olhos, mas Deus vê com o coração.

“Sim, Jesus, aumenta em mim a fé, para que eu possa amar-Te sempre cada vez mais”.

PALAVRA PARA O CAMINHO…

Levar a Palavra de Deus como luz para mais uma semana de trabalho, de estudo… Ao longo dos dias da semana que se segue, procurar rezar e meditar algumas frases da Palavra de Deus:
«Senhor, aumenta a nossa fé!»;

«Não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor…»;

«Exultemos de alegria no Senhor!»;

«Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações»

Procurar transformá-las em atitudes e em gestos de verdadeiro encontro com Deus e com os próximos que formos encontrando nos caminhos percorridos da vida…

com minha benção
Pe.Emílio Carlos+

BILHETE DE EVANGELHO- 26º DOMINGO DO TEMPO COMUM-ANO - À ESCUTA DA PALAVRA


Durante a sua vida, o rico de quem ignoramos o nome conheceu uma certa felicidade, enquanto que o pobre Lázaro conheceu a infelicidade.

A felicidade nesta terra é efêmera pois está ligada às riquezas.

A infelicidade é provisória porque a verdadeira riqueza será dada.

Então, é preciso que a morte intervenha para que cada um encontre o seu verdadeiro lugar e a justiça seja feita: o pobre é elevado, ele que tinha sido rebaixado, ele a quem os cães vinham lamber as chagas.

Quanto ao rico, é enterrado, ele que trazia vestes de luxo e fazia festins sumtuosos. São os pobres que são exaltados porque esperam a consolação de Deus.

São os ricos que são enterrados, porque procuram a sua própria consolação.

À ESCUTA DA PALAVRA.

Eis ainda uma parábola sobre a má riqueza.

Notemos, em primeiro lugar, que é a única parábola em que Jesus dá um nome a um dos protagonistas da história que inventa.

O pobre chama-se Lázaro. Este nome, em hebraico, significa “Deus socorreu”. É bem isto que Jesus fez pelo seu amigo.

O rico, esse, é descrito com todo o fausto que o rodeava: vestidos luxuosos, festins sumtuosos e quotidianos.Mas não tem nome.

Ele é “o rico”. Aos olhos de Deus, os que ocupam o primeiro lugar são os pobres. Vamos mais longe. Uma frase é central no relato: “Lázaro bem desejava saciar-se do que caía da mesa do rico, mas até os cães vinham lamber-lhe as chagas”. Uma frase muito próxima da parábola do filho pródigo, quando o filho mais novo lamenta não poder comer as bolotas dos porcos.

O filho mais novo simboliza, sem dúvida, o homem pecador fechado na sua solidão.

O pobre Lázaro, esse, é vítima do pecado do rico, mas o resultado é o mesmo: não são vistos por ninguém. Ninguém lhes dá atenção. Só os cães vêm lamber as chagas do pobre.

Temos aí uma descrição muito realista do que são muitas vezes as nossas relações. “O rico” é um nome anônimo.

As nossas relações não são muitas vezes anônimas?

Mesmo com os nossos mais próximos, não acontece, por vezes, que não os vemos verdadeiramente, a ponto de esquecer simplesmente de lhes dizer bom dia, de estar atentos a eles.

A indiferença é verdadeiramente um pecado que pode matar.

Nomeando o pobre Lázaro, Jesus recorda-nos, ao contrário, que, para Ele e para o seu Pai, cada ser humano é olhado como único.

Jesus veio compensar o olhar vazio e anônimo do rico. Veio socorrer todos os pobres – é o sentido do nome de Lázaro! Mais ainda que Moisés e os profetas, é Jesus que devemos escutar, para agir como Ele.

PALAVRA PARA O CAMINHO…

E nós hoje?

As palavras de Amós atingem sem compaixão aqueles que não se preocupam com o desastre de Israel.

Lucas põe em cena um homem rico fechado no luxo, que não tem mesmo qualquer olhar para o pobre Lázaro que está à sua porta.

E nós hoje?

Ricos ou não, diante de todos os desastres do mundo, temos um olhar diferente para com todos os “Lázaros” da nossa sociedade ou ficamo-nos por um simples relance no ecrã da televisão?

Ouvimos os golpes discretos à nossa porta? Ou serão somente cães a dar-lhes assistência?

Pe. Emílio Carlos+