segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Para este Mês da Bíblia... A Palavra veio morar entre nós


Deus deixou a Palavra e o homem criou o palavrório.

Há um complô contra o silêncio: ruas, casas, lojas, clínicas estão povoadas por sistemas de som com música, anúncios, vantagens.
O lar está tomado pelo barulho da TV, do rádio, celular, telefone, aparelho de som.

Há barulhos nas imagens, anúncios nas estradas e vias públicas, sites de internet que também rompem o silêncio, às vezes com efeitos mais desastrosos ainda.
Por que temos tanta dificuldade em parar, fechar os olhos, permanecer silenciosos ou, silenciosamente, contemplar as pessoas que nos cercam, a paisagem oferecida gratuitamente?

É o medo de nós. Medo da vida que levamos e fingimos que não levamos.

Fugimos da palavra verdadeira, autêntica, que nasce do silêncio e por ele é guardada.
O silêncio é a embalagem mais preciosa para a palavra legítima que nos orienta.

Uma embalagem frágil, diga-se, e se prefere esmagá-la quando nos fala palavras que nos machucam por dizerem a verdade.

Mas, vida sólida não combina com barulho, pois, sem o silêncio, não é possível uma vida de combate à dispersão, à ânsia, à distração, ao vazio interior.
A solidão, o silêncio e a ascese permitem olhar face a face os pensamentos-tentações que nos afligem: não crer em Deus nem em nada, a conclusão de que tudo se acaba em nada, o peso dos pecados que leva a duvidar do perdão, a capacidade de ver o bem no ser humano.

O silêncio e a solidão nos obrigam a dar uma resposta a esses verdadeiros problemas, tão ocultos na vida social, mas tão exigentes para que possamos existir com sentido.
Ouvir o silêncio que fala, ouvir a Palavra de Deus exige que se calem as outras palavras, que se escute o outro, o irmão e a irmã que batem à nossa porta a fim de escutarmos seus problemas, sofrimentos, a palavra de sua vida.

Foi no silêncio eterno que a criação ainda informe e vazia ouviu a primeira Palavra do Criador: “Faça-se a luz!” (Gn 1,3). Essa Palavra continua a ecoar pela história daqueles que decidem tornar suas existências luminosas mas, somente é ouvida no silêncio.

E, sem a luz, a palavra não discerne o belo e o mau.

O barulho nos faz escutar o nada, leva-nos ao esvaziamento das profundezas de nosso coração, chegando a impedir-nos o grande grito silencioso e necessário “Das profundezas, Senhor, a vós eu clamo!” (Sl 129,1).

Silêncio – a Palavra veio morar entre nós

O silêncio é um caminho que se percorre no exercício perseverante e até árduo do encontro conosco.
Às vezes o silêncio espanta e vem a tentação de retornar ao barulho, ao palavrório vazio.
Prefere-se o sonambulismo espiritual, o não se conhecer em profundidade e se cai na alienação.

Numa espiritualidade movida a vácuo multiplicamos a ação, nos embebedamos para gritar falsas alegrias, transformamos o louvor em algazarra, o ato penitencial em gemido narcisista, a Liturgia em espetáculo, gritamos para Deus a fim de que ele não possa ser ouvido. Permaneceremos como semente lançada em chão sem profundidade.

“E a Palavra se fez carne, e veio morar entre nós” (Jo 1,14).

O Filho Eterno do Pai não veio ao mundo com palavras, mas como Palavra feito carne, vida, encontro, misericórdia.

Não Palavra de ensino, legalista, mas Palavra encarnada que nos narra o Pai, possibilitando-nos o confronto com aquele que, único, pode dizer: “Faça-se a luz!”.

Cristo-Palavra é o Filho estampado no rosto humano e permite decifrar Deus em cada rosto de homem, onde o Deus pessoal o trata como um “tu” e com ele estabelece diálogo.

Então o homem mergulha no Absoluto e recupera sua imagem dialogal – somente se é pessoa diante de um tu – e emerge indo ao encontro do mistério do próximo, dando um significado infinito ao rosto do outro.

Na Palavra que se manifesta na Bíblia o homem se descobre vivendo o barulho angustiado, tomado pelo nihilismo, “eu não existo, não sou nada” para, em seguida, alimentado pelo silêncio, descobrir que existe, que necessita de salvação e que o Senhor é essa salvação.

A Bíblia é uma Palavra, a Palavra é Cristo, Deus é uma Palavra: Amor.

Para fugir do Amor criamos palavrórios sedutores envolvidos em embalagens de teologias prolixas, criamos igrejas movidas a curas e milagres, competições denominacionais, proferimos conferências e sermões gritantes, colocamos o demônio em todos os problemas, transformamos o Cristianismo em terapia.

Não é necessário tanto palavrório. Servem apenas para fugir da verdade que é mais simples: é Palavra-amor no qual Cristo nos revela quem é Deus e, ao mesmo tempo, quem é o homem.

Silêncio não significa só exclusão de palavras e não pode ser considerado somente no seu aspecto negativo.

Silêncio não é um estado de esquecimento, de vazio, de “nada”; ao contrário, o silêncio ao qual nos referimos distingue-se pelo seu caráter positivo, é uma linguagem que transborda de uma presença impregnada de vida, de solicitude, de oblação.

O silêncio a que aludimos, “faz falar pouco para ouvir muito”. A necessidade de se derramar em palavras inúteis vai diminuindo progressivamente, porque existe uma vida interior cada vez mais intensa, que se vai impregnando da pura atenção ao OUTRO ou Totalmente Outro- O Absoluto- que é Deus...É o silencio do egoísmo, das susceptibilidades, das vontades e dos caprichos.

Este silêncio é o comportamento indispensável para escutar Deus e para acolher a sua comunicação, é a atmosfera VITAL da Oração, da Salmodia e de todo Culto Divino.

Este silêncio é progressivo, amassado primeiramente em muito domínio, quer da língua, quer da imaginação e da memória. É deixar-se avassalar por uma Presença que não é outra senão Deus e daqui radica o silêncio do coração.

A necessidade e o valor do silêncio da língua – que é o mais elementar - encontram na Sagrada Escritura um precioso testemunho. Nas suas numerosas passagens recomendam:

O reto uso da palavra – Prov.10; 6-32 / 12; 18-19,22 / 15, 1; Ecl 23; 7-12 / 20; 1-7,18 ss

- Convidam a evitar a inconstância da palavra Ecl. 5; 9-15
- E os pecados da língua Ecl 23; 7-15 / 28; 13-26 - Conhece-se o gesto simbólico de tapar a boca com a mão Jo 21; 5 - Prov. 30; 32 - Ecl. 5; 2
- Relaciona-se o silêncio com a fortaleza Is. 30; 15
- E com a Justiça (Vulgata) Is. 32; 7

Além do silêncio ascético, o AT. Fala também do silêncio reverencial nas relações do homem com Deus - Lam 3; 26 / Os 2; 16 / Zac 2; 17
Este silêncio, contudo, no AT, salienta-se mais pelo temor servil do que pelo Amor filial.

No Novo Testamento, o texto mais significativo do silêncio ascético é o de S. Tiago 3,1-10 sobre o domínio da língua. Também Jesus condena as palavras que, procedendo de um coração mau, malicioso.. saem pela boca Mt. 15;19; cf. 5;22 e põe de sobreaviso contra as palavras sem fundamento que constituirão matéria de juízo – Mt. 12; 36.

Jesus, ao calar-se diante de Pilatos, eleva o silêncio a uma virtude heróica.

Ele recorda com os seus ensinamentos a importância do silêncio.
Retira-se para lugares desérticos e silenciosos para passar a “noite em oração” Lc. 6;12 – cf 22;39.

O NT apresenta também como modelos de silêncio MARIA Lc. 2; 19-51 / JOSÉ Mt. 1;10, João Batista...

O silêncio da palavra e das manifestações exigentes (violentas) do egoísmo dá passo ao silêncio interior.

Segundo a Patrística citaremos apenas alguns padres da Igreja a saber:

1. S. Gregório de Nazianzo recorda o “ deserto como fonte de progresso para Deus, de Vida Divina” e chama ao Louvor a “ filha do Silêncio”.

2. S. Basílio recorda o valor purificador e a vantagem da “solidão silenciosa” para o encontro com Deus

3. S. João Clímaco insere o silêncio na “escala de perfeição” (10º, 11º e 12º)

4. S. Ambrósio fala da “taciturnidade como remédio da alma” e compara a “quem fala muito com uma vasilha furada incapaz de conservar os segredos do Rei”

5. Stº Agostinho fala da “alegria de escutar silenciosamente”

Pe.Emílio Carlos Mancini+
J
A
M
Tibi Semper Congitavi
EU SEMPRE PENSEI EM TI!

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